Estima-se que 5% dos indivíduos com mais de 65 anos sofram de demência – perda global e geralmente progressiva das faculdades mentais, incluindo a memória, atenção, praxias, perceção e linguagem. Afeta a capacidade de resolução de problemas e juízo crítico, com perturbação sensível do funcionamento social e incapacidade para cuidar de si próprio.
De acordo com o Royal College of Speech and Language
Therapists (RCSLT, 2013), a intervenção específica de um terapeuta da
fala em situações de demência tem, genericamente, os seguintes
objetivos:
- Avaliação da Linguagem – Diagnóstico Diferencial.
- Avaliação detalhada das funções comunicativas – estruturação e discussão de planos de intervenção.
- Intervenção ao nível da melhoria ou manutenção da Comunicação.
- Avaliação e intervenção ao nível da Deglutição.
- Treino/formação da Equipa e dos Cuidadores.
A doença de Alzheimer (DA) é uma doença neurodegenerativa e a causa mais frequente de demência nos idosos, com prevalência e incidência de 50 a 75% do número total dos casos de demência, acometendo aproximadamente 10 a 20% dos indivíduos com mais de 65 anos de idade. (Araújo, 2015) .
A doença compromete consideravelmente as habilidades comunicativas. Conforme há avanço da doença, as alterações de linguagem tornam-se mais proeminentes. Pode se verificar as seguintes:
- Empobrecimento do vocabulário
- Dificuldades em nomear objetos do quotidiano
- Dificuldades de compreensão (ex: dificuldades em seguir instruções
simples) - Expressão verbal ininteligível
- Ecolália e/ou Palilália
- Disgrafia
- Disortografia
- Afasia – Anómica,
- Transcortical Sensorial e Wernicke
- Disartria
- Mutismo/ inibição verbal em fases tardias
Com a evolução da doença, disfunções progressivas das musculaturas orofaríngeas e respiratória afetam o paciente, resultando em quadros de disartria, dispneia, disfonia e disfagia. Tais alterações, se não forem tratadas no estado precoce da doença, podem levar o paciente a apresentar deficiência nutricional, desidratação e complicações pulmonares em decorrência da aspiração traqueal.
A atuação do terapeuta da fala é essencial, uma vez que a comunicação oral se altera no percurso da doença. O objetivo do tratamento terapêutico é manter pelo maior tempo possível estas habilidades, criar estratégias de comunicação alternativa quando a comunicação oral não é eficaz, e capacitar as famílias para diminuir o impacto das dificuldades sentidas.
Por ser uma das funções cognitivas que podem estar alteradas na demência, acredita-se que a avaliação da linguagem deve ser realizada precocemente, para que assim possa contribuir para a compreensão das habilidades linguístico-cognitivas alteradas no paciente. Antes do início de qualquer programa de reabilitação, é necessário definir o perfil cognitivo de cada paciente, delineando seus déficits e aspetos da cognição preservados. Tais dados são muito importantes para que a intervenção proposta seja adequada ao nível intelectual e cultural do paciente.
Durante todo o processo de progressão da doença é necessário que a comunicação faça parte da vida da pessoa com DA, visando a manutenção da sua qualidade de vida e bem estar emocional. Diferentes tipo de intervenções das capacidades comunicativas vem sendo propostas para pessoas com DA. A maior parte desses estudos demonstra os benefícios dessas intervenções:
- Intervenções de várias capacidades cognitivas (incluindo a linguagem): o tratamento proposto nesse estudo implica a estimulação de outras capacidades cognitivas, além da linguagem. Para tanto, tarefas de orientação temporo- espacial, atenção, memória, funções executivas, habilidades visuoespaciais e resolução de problemas.
- Atividades de linguagem integradas à atividade física: as intervenções incluídas nesta categoria desenvolveram exercícios de estimulação de linguagem associadas ao treino físico.
- Intervenção de associação face-nome: tem como objetivo o ensino de nomes de pessoas. Selecionar nomes difíceis do paciente recordar e que eram de pessoas relativamente próximas representadas em fotografias.
- Atividade comunicativa instrumental de vida diária: leva em consideração o declínio progressivo em atividades instrumentais de vida diária, essa intervenção visa o treino em um contexto mais ecológico, auxílios visuais e auditivos podem servir de suporte durante ligações telefônicas.
- Treino comunicativo de cuidadores: este tipo de intervenção indireta treina estratégias comunicativas para cuidadores de pessoas com DA. As estratégias baseiam principalmente no uso de sinais e de frases com escrita sintaticamente simples, a fim de, diminuir os comportamentos verbais repetitivos do paciente.
- Intervenção baseada na interação conversacional: essa abordagem utiliza atividades baseadas na interação discursiva entre os interlocutores. A fim de aumentar o conteúdo verbal relevante dos pacientes com DA, a intervenção propõe tarefas de discussão de tópicos e reconto oral de eventos pessoais vividos.
- Musicoterapia: também foi desenvolvida como alternativa de abordagem
comunicacional que tenta fornecer confiança e apoio, tão necessários ao bem-estar da pessoa.
A nível da disfagia, o tratamento consiste em propiciar uma deglutição segura por meio de procedimentos compensatórios adquiridos, de exercícios orofaciais e ensino de técnicas que estimulam a propriocepção oral, alterações posturais e manobras de deglutição.
Em conclusão: não existe tratamento estabelecido que possa curar ou reverter a deterioração causada pela demência. Numa fase mais evoluída da Demência, a intervenção do TF já não apresenta tantos ganhos a nível terapêutico, centrando-se a pertinência do papel do TF na capacitação da família, cuidadores/as e profissionais que intervêm com o paciente, pelo que, não se tratando de uma intervenção direta, torna-se mais difícil a compreensão da pertinência. No entanto, verifica-se que o TF desempenha um papel importante, tanto na contribuição para que algumas características da Demência evoluam mais tardiamente, estimulando a linguagem e a iniciativa comunicativa, bem como na orientação à família e transmissão de competências e estratégias para os diversos interlocutores e contextos que compõem o quotidiano do indivíduo, nomeadamente no domínio da comunicação e alimentação.
O objetivo deve ser desenvolver e manter a identidade, transmitir e receber informações sobre o autocuidado e criar estratégias comunicativas que busquem amenizar as dificuldades de compreensão e de produção de linguagem, por meio de estratégias orais e visuais que possibilitem ao idoso se adequar e se adaptar às mudanças, evitando o isolamento social, angústias e depressão.
Bibliografia
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Porto: Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
A Terapeuta da Fala, Carla Delgado C-069967172