Programa de reabilitação integral do equilíbrio e da marcha em Ataxias Cerebelosas: Fundamentos

A ataxia é geralmente uma consequência de lesões ou doença do cerebelo (ataxia cerebelar), da
medula espinal (ataxia sensorial), dos núcleos talâmicos (astasia), dos núcleos vestibulares (ataxia
vestibular) ou da substância branca cerebral (ataxia frontal), que dependendo da sua natureza, são
de origem aguda, subaguda ou crónica, com perfil progressivo ou estático.

O tratamento farmacológico das ataxias crónicas progressivas não é geralmente eficaz, pelo que as
estratégias de reabilitação, como o treino de marcha e a terapia de coordenação são as alternativas de eleição.

Em uma revisão sistemática de 17 estudos sobre o efeito da reabilitação do equilíbrio nas ataxias
degenerativas, quinze destes estudos demonstraram uma melhoria na marcha e no equilíbrio. Em
outra revisão com 26 estudos e oito estudos de qualidade metodológica ótima apoia-se o uso de exercícios terapêuticos para reduzir a gravidade da patologia e melhorar o equilíbrio.

Foram propostos vários cenários para explicar a função e a potencial recuperação das suas funções
atendendo ao seu papel no controlo dos tempos de movimento, na aprendizagem de tarefas e na
previsão das consequências do movimento.

Atualmente, aceita-se que a reabilitação motora permite melhor regular o controlo temporal do movimento afetado (discronometria), reforça a aprendizagem motora e aumenta a capacidade de predição, reduzindo o desequilíbrio, a dismetria e disdiadococinesias típicas do síndrome
cerebeloso.

Ainda assim, e no caso de ataxias crónicas progressivas (e.g., ataxias espinocerebelares, atrofia
multissistémica ou Esclerose Múltipla, entre outras), a atrofia cerebelar assim como as dificuldades visuais e proprioceptivas, para além dos factores extrínsecos agravantes, geralmente superam os mecanismos de compensação proporcionados pelos treinos e condicionam a perda de autonomia para a marcha, mesmo após alguns anos de evolução.

Como se pode potenciar a reabilitação e evitar este declínio?

Nas últimas duas décadas, o uso da estimulação cerebral não invasiva foi adicionado aos potencias
métodos terapêuticos de reabilitação.

  • A modulação dos circuitos cerebelosos e cerebroespinais por estimulação transcraniana são viáveis pois estas técnicas:
  • Exploram a arquitetura redundante e estereotipada dos circuitos cerebelares (grande
    reserva) e alcançam o córtex cerebelar onde há uma elevada concentração de neurónios;
  • Modificam a excitabilidade do cerebelo e suas projeções corticais e medulares dada a
    grande capacidade de resposta do córtex cerebelar a estímulos elétricos/magnéticos;
  • Aproveitam-se das múltiplas formas de plasticidade que se produzem no circuito cerebelar e
    localização do cerebelo em numerosas redes cerebelo-cerebrais e cerebelo-espinhais.

Atualmente, supõe-se que a estimulação eletromagnética modifica este mecanismo de inibição cerebelo-cérebro (CBI), um mecanismo pelo qual os neurónios de Purkinje da crosta cerebelar inibem os núcleos cerebelares, excitando locais remotos como os núcleos talâmicos ou os núcleos do tronco cerebral e, através do seu intermédio, estimulam o córtex motor, facilitando a aprendizagem
de tarefas e competências.

O síndrome motor cerebeloso (CMS: afetação dos lóbulos I-VI e VIII) e a síndrome vestibular
cerebeloso (CVS: lóbulos V-VII, IX-X), responsáveis pelas dificuldades de coordenação e equilíbrio, são os principais potenciais alvos desta estimulação.

A evidência acumulada até hoje demonstra que a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) do
cerebelo pode modular a aprendizagem motora, modificando a atividade do cerebelo e alterando a
saída dos núcleos cerebelares, como foi hipotetizado antes, pelo que se espera que o uso combinado
de EMT e o exercício/treino possam promover mudanças plásticas e conduzir a ganhos clínicos mais
notáveis e duradouros na reabilitação.

Este cúmulo de evidências clínicas é maior no caso da Ataxia Cerebelar Espinhosa tipo 3 (SCA 3) onde existem pelo menos 8 ensaios clínicos envolvendo centenas de doentes (1), sendo que existe outro ensaio clínico, em investigação, para confirmar e/ou ampliar estes efeitos na ataxia (2).

Existem também evidências noutras ataxias cerebelosas descritas em, pelo menos, 15 revisões e outros ensaios/relatórios de caso sobre EMT em diferentes ataxias publicadas até à data (3), as quais afirmam que a EMTr reduz o desequilíbrio e melhora a qualidade e capacidade da marcha.

Está mais que provado que a EMTr cerebelosa é um tratamento seguro, sempre que se respeitem a normas técnicas dos equipamentos, os protocolos de estimulação e as recomendações internacionais de segurança. Apesar do uso da EMTr para as Ataxias Cerebelosas ainda não ter sido
aprovado pelas agências reguladoras, mantém-se a nível experimental.

Tudo indica que a EMTr é potencialmente eficaz, tolerável, segura e útil como complemento da
reabilitação de ataxias.

Outra técnica de estimulação com resultados encorajadores é a estimulação cerebelo-espinal com
correntes fracas constantes, tendo a sua eficácia e tolerância sido demonstrada em dois ensaios
clínicos (4) em mais de 80 pacientes com ataxia cerebelosa crónica.

Deste modo, considerar a combinação destas duas técnicas de estimulação (EMTr cerebelosa e
estimulação cerebro espinal) em apoio ao treino de equilíbrio/marcha em sujeitos com ataxia
cerebelosa crónica é uma estratégia terapêutica plausível. Por esse motivo, e uma vez que na
NeuroVida tentamos sempre procurar alternativas de intervenção que ajudem a melhorar a
qualidade de vida dos nossos utentes, elaborámos um protocolo de aplicação e evolução da
combinação destas tecnologias enquanto terapias coadjuvantes ao treino de marcha e equilíbrio, o
qual será publicado brevemente.

  1. (Manor et al; Frontiers Neurol 2019: 3389; Franca et al Park & Related disorders 2020:80, 1-6; Chen et al Front Aging Neurosci 2022: 14827993; Roderick Maas et al Neurotherapeutics. 2022 Jul;19(4):1259-1272; Sikandar et al Park & Related Disord 2023: 106,105236; Hu Z et al Heliyon. 2023 May 12;9(5): e16190; Zhou M et al J ECT. 2023 Apr 24; Shi Y et al J Neurol. 2023 Jul 11.)
  2. (BMJ Open. 2023 Jun 29;13(6): e073526)
  3. (ex: Tohoku J Exp Med. 1999 Nov;189(3):203-11; Int J Mol Sci. 2020 Mar 12;21(6):1948; Aging (Albany NY). 2020 Oct 21;12(20):20611-20622; Front Neurosci. 2021 Dec 13; 15:771090; Cerebellum. 2022 Aug;21(4):623-631; Front Neurol. 2023 Jan 27; 14:1049813; Cells. 2023 Apr 20;12(8):1193; Cerebellum. 2023, Jan 6)
  4. (Neurology, 2018 Sep 18;91(12): e1090-e1101; Brain, 2021 Sep 4;144(8):2310-2321)
Sobre o Autor

A NeuroVida é uma instituição médica de neurologia e neurociências, pioneira em Portugal, que presta atenção integrada e interdisciplinar de cuidados a doentes do foro neurológico e neuropsiquiátrico. 

A clínica conta com uma equipa de especialistas em diversas áreas interdisciplinares liderada pelo Dr. Lázaro Álvarez, neurologista e neurocientista com mais de 30 anos de experiência.

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