
A Paralisia Cerebral (PC) designa-se por uma perturbação neurológica que afeta os movimentos, a postura, o tônus muscular e as capacidades motoras, como consequência de uma lesão cerebral não progressiva no período de desenvolvimento pré-natal, perinatal ou nos primeiros anos de vida da criança.
Esta pode manifestar-se de várias formas, sendo elas:
- Défices sensoriais, alterações de visão e auditivas, dificuldades percetivas, ou epilepsia;
- Défice cognitivo – o desenvolvimento pode ser mais lento e limitado em relação às outras crianças;
- Alterações na motricidade – não segurar a cabeça, não se sentar, não andar ou movimentar-se de uma forma descontrolada e insegura;
- Dificuldades na alimentação- dificuldades nos movimentos dos lábios e língua que afeta a mastigação e a deglutição;
- Perturbações de comunicação, fala e/ou linguagem;
Acrescenta-se que as dificuldades se manifestam de diferentes formas, de acordo com a localização da lesão, e a gravidade da deficiência variável.
Índice
Qual é a Função de um Terapeuta da Fala?
O terapeuta da fala intervém em diversas áreas com as crianças portadoras de paralisia cerebral, nomeadamente: fala, motricidade Orofacial, linguagem/comunicação, e funções neurovegetativas (deglutição, sucção, mastigação e respiração) bem como na facilitação postural, aspetos familiares e escolares, levando em conta a forma e o grau de locomoção da criança.
O principal objetivo do Terapeuta da Fala é facilitar ao máximo a possibilidade de uma Comunicação Funcional.
Cerca de 21% das pessoas com PC apresentam alterações na comunicação, fala e/ou linguagem e em 32% dessas que não falam, indicam perturbações graves com ausência de discurso. (Nordberg et.,2013). A alteração da fala mais comum nestas crianças é a disartria (até 78% das crianças) que se manifesta por dificuldades na articulação, modificação da voz e de velocidade na fala.
Estudos apontam a eficácia do Speech Motor Treatment protocols (MSTP) e Prompts for Restructuring Oral muscular phonetic targets (PROMPT) no tratamento motor da fala na PC. Métodos esses que integram informações em sistemas auditivos, visuais e táteis-cinestésicos para estimular manualmente a produção de um som, palavra ou frase. Apesar de serem técnicas fundamentadas em toques, isso não significa que seja efetivo apenas nos aspetos motores, na verdade, esses métodos têm eficácia em três pilares importantes do desenvolvimento da fala: motor, cognitivo-linguístico e social-emocional. (Fiori1, S. et al, 2022)
Igualmente mencionar que a correção vocal de órgãos, que é uma correção comum na intervenção de crianças com perturbações de linguagem, pode reduzir as dificuldades linguísticas nas crianças com PC e aumentar a satisfação da família durante a reabilitação. (Xue & Mo, 2020)
A intervenção relativa à comunicação e à linguagem dos pacientes com PC deve promover, portanto, a expressão e a compreensão da linguagem, enriquecer o ambiente linguístico e favorecer as possibilidades de interação social (ensinar as formas de brincar e estimular através das atividades de vida diária) pois é por meio da interação e mediação que são construídas as formas de expressão, compreensão e ação no mundo.
No que diz respeito à deglutição da criança com PC, esta independente da classificação neuromuscular, apresenta alterações, como por exemplo, ausência de lateralização da língua, falta de controle do alimento na boca e falta de controle da cabeça e do tronco etc. De forma a evitar comprometimentos clínicos e nutricionais destas crianças, são encaminhadas para terapia da fala com o objetivo de promover uma maior funcionalidade na alimentação e de verificar se a via de alimentação utilizada se encontra segura e eficiente para cada criança.
Dentro do processo da intervenção, cabe ao terapeuta da fala orientar aos pais e/ ou cuidadores sobre o manuseio, postura, formas de higienizar, manobras e posicionamentos facilitadores para adequação dos padrões da deglutição, incluindo o uso de estratégias específicas para alterar a dieta alimentar, o volume e consistência dos alimentos oferecidos, além de exercícios de motricidade orofacial para adequação das estruturas envolvidas nesse processo.
Ainda que não seja aplicado por terapeutas da fala, estudos demonstram a eficácia do uso da Toxina botulinica A no controlo da sialorreia (salivação excessiva) em crianças com PC. Esta neurotoxina potente, produzida pela bactéria Clostridium botulinum, tem a função de reduzir a produção de saliva através da inibição da libertação da acetilcolina nas junções neurosecretoras pré-sinápticas das glândulas salivares. (Helker et al, 2023).
Comunicação Aumentativa e Alternativa
Frequentemente, quando a fala é ininteligível ou inexistente a terapia da fala utiliza outros meios de comunicação, como a Comunicação Aumentativa e Alternativa, sendo definida como um grupo de componentes integrados incluindo símbolos, auxílios, estratégias e técnicas usadas por indivíduos para aumentar a sua forma de comunicação.
Exemplos: (tabelas de comunicação, digitalizador de fala, software Grid 3)…




Estes sistemas visam compensar e facilitar, temporária ou permanentemente, as dificuldades e/ou incapacidades dos indivíduos com graves perturbações da comunicação expressiva e/ou da compreensão. Podem ser de baixa ou de alta tecnologia (quando utilizam softwares e sistemas de computação) e dividem-se entre os pictoriais e simbólicos.
A escolha do melhor método vai depender de uma avaliação minuciosa do terapeuta da fala, que vai desde o registo das necessidades comunicativas e os produtos de apoio, as condições socioeconômicas do paciente até o nível de comprometimento e funcionalidade motora.
Outras Técnicas Terapêuticas: Estimulação Magnética Transcraniana
Cerca de 30-45% dos pacientes com paralisia cerebral (PC) têm comprometimento cognitivo. Estudos anteriores mostraram evidências de que as técnicas de estimulação cerebral não invasiva têm tido uma posição de destaque no tratamento da pessoa com PC. Dentro deste enquadramento, surgem a Estimulação Magnética Transcraniana (sigla inglesa TMS para Transcranial Magnetic Stimulation) e a Estimulação Elétrica Transcraniana por Correntes Contínuas (sigla inglesa TDCS para Transcranial Direct Current Stimulation) como técnicas que têm vindo a ser utilizadas para promover os mecanismos de neuroplasticidade e cujo potencial para reabilitação em casos de PC, tem sido alvo de múltiplos estudos. (Ko e de Lima (Ko EJ, Hong MJ, Choi EJ, Yuk JS, Yum MS, Sung IY, 2021; Lima VLCC, Cosmo C, Lima KB, Martins MA, Rossi SG, Collange Grecco LA, et al, 2022)
A tDCS é considerada uma técnica de neuromodulação que é mais fácil e mais conveniente atuar. Não implica nenhum procedimento doloroso, não envolve instrumentos que rompam as barreiras naturais do corpo humano, nem requer que os pacientes permaneçam parados por muito tempo. Também ajuda o terapeuta da fala no processo da intervenção, enquanto uma criança recebe tDCS, o que reduz acentuadamente o tempo de tratamento e evita o esgotamento devido a um longo período de tratamento. No geral, o tDCS tem boas perspetivas de aplicação como meio auxiliar na reabilitação de crianças com PC, embora requer maior exploração.
A Nossa Experiência
O processo de tratamento deve ser multidisciplinar e o mais precoce possível, por forma a que a dificuldade que exista na criança possa ser colmatada, respondendo também melhor ao tratamento. Quanto mais velha for a criança mais os problemas se vão consolidando e mais dificilmente respondem com sucesso aos tratamentos.
Assim então, a intervenção a realizar com uma criança a quem seja diagnosticado paralisia cerebral, deve ter como objetivo sua inserção familiar e social, em que as capacidades se sobressaiam às dificuldades, e as vitórias, por mínimas que sejam, refletirão sempre em ganho de qualidade de vida e bem-estar do paciente.
Referências bibliográficas
- American Speech-Language-Hearing Association. Report. Augmentative and Alternative Communication. 1991; 33
- César, C. et al, Speech, Language and Hearing Therapy in Cerebral Palsy. In: Sordi C, Nahsan FPS, Paranhos LR, organizadores. Coletâneas em saúde. São José dos Pinhais: Editora Plena; 2015. 2v. p. 47-64
- Duarte, F. et al (2021). The contribute of Occupational Therapy to the implementation of Augmentative and Alternative Communication Systems in children with Cerebral Palsy: a scoping review. (RevSALUS, Ed.) 4 ( Nº1). https://doi.org/10.51126/revsalus.v4i1.197
- Fiori1, S. et al (2022). PROMPT to improve speech motor abilities in children with cerebral palsy: a wait-list control. (22:246). Obtido de https://doi.org/10.1186/s12883-022-02771-6
- Heikel, T. e. (2023). Botulinum Toxin A in the Management of Pediatric Sialorrhea: A Systematic Review. 132(2) 200–206, pp. 200–206. doi:https://us.sagepub.com/en-us/journals-permissions
- Ko e de Lima (Ko EJ, Hong MJ, Choi EJ, Yuk JS, Yum MS, Sung IY. Effect of anodal transcranial direct current stimulation combined with cognitive training for improving cognition and language among children with cerebral palsy with cognitive impairment: a pilot, randomized, controlled, double-blind, and clinical trial. Front Pediatr. (2021) 9:713792. doi: 10.3389/fped.2021.713792;
- Korkalainen, J., McCabe, P., Smidt, A., & Morgan, C. (september de 2022). Motor Speech Intervencions for Children with Cerebral Palsy: A Systematic Review. (C. E. Stepp, Ed.) https://doi.org/10.1044/2022_JSLHR-22-00375
- Lima VLCC, Cosmo C, Lima KB, Martins MA, Rossi SG, Collange Grecco LA, et al. Neuromodulation: a combined-therapy protocol for speech rehabilitation in a child with cerebral palsy.J Bodyw Mov Ther. (2022) 29:10–15. doi: 10.1016/j.jbmt.2021.09.002)
- Xue, J., & Mo, Y. (2020). Application of vocal organ correction combined with language training in the rehabilitation of children with cerebral palsy and language disorder. 9(5):645-652. Obtido de http://dx.doi.org/10.21037/tp-20-223
- Link: Terapia da Fala | APPC – Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (appcleiria.pt)