Desde 1775 que existem referências bibliográficas a sintomas de PHDA caracterizando os indivíduos como “imprudentes, descuidados e volúveis”. Reportava-se, ainda, a existência de uma perturbação com níveis incomuns de desatenção, distratibilidade e reatividade emocional, que diferia entre indivíduos e que era influenciada por diferentes variáveis (idade, contexto familiar e educacional, motivação, entre outros). Apesar de se reconhecer a multiplicidade de causas (lesões cerebrais, epilepsia, dieta empobrecida) enfatizava-se a sua origem neurobiológica, sendo que a sintomatologia observada podia ser inata ou adquirida, tendendo a diminuir com a idade, mas cujo impacto no desempenho escolar poderia ser nocivo, pelo que se recomendava uma intervenção especial na educação (Lange, Reichl, Tucha, & Tucha, 2010; Palmer & Finger, 2001). O século XXI tem sido marcado por um número significativo de estudos sobre a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção, nos quais se procura compreender melhor a natureza e mecanismos envolvidos, as comorbilidades, as estratégias terapêuticas mais adequadas e o impacto desta perturbação no funcionamento quotidiano do indivíduo. Em 2013, com a publicação da atual versão do Manual de Diagnóstico e Estatística de Perturbações Mentais (DSM-5, traduzido para português em 2014) surge a designação de Perturbação de Hiperatividade/Défice de Atenção, a qual se inclui nas Perturbações do Neurodesenvolvimento, que se manifesta precocemente e afeta o normal desenvolvimento com possível impacto no funcionamento da pessoa a vários níveis (American Psychiatric Association, 2014).
Adicionalmente, a PHDA pode ser considerada uma das Perturbações do Neurodesenvolvimento mais frequentes em idade escolar e das mais investigadas, sendo que os estudos apontam para uma prevalência aproximada de 5% de crianças e 2,5% de adultos diagnosticados com esta patologia. A perturbação parece ser mais frequente no sexo masculino, sendo que nos homens se associam mais as características de hiperatividade e nas mulheres são mais reportadas as características de desatenção. Enquanto, com a idade, parece ocorrer um declínio nos sinais de agitação motora, o défice de atenção, impulsividade e dificuldades de planeamento parecem manter-se (American Psychiatric Association, 2014).
De acordo com vários autores (Asherson et al., 2015; Barkley, 2006; Biederman & Faraone, 2005; Coghill et al., 2008; Østergaard, Dalsgaard, Faraone, Munk-Olsen, & Laursen, 2017; Peasgood et al., 2016; Rief, 2016; Stefanatos & Baron, 2007), as várias características clínicas da PHDA podem afetar significativamente o funcionamento do indivíduo em vários contextos, com impacto negativo na sua vida e na dos que o rodeiam. Assim, podemos referir impacto a nível:
- Académico – maior risco de insucesso escolar, abandono escolar precoce, retenção, suspensão e/ou expulsão da escola, necessidade de medidas educativas especiais, dificuldades na leitura, escrita e oralidade, dificuldades no cálculo mental e no raciocínio abstrato;
- Comportamental – maior probabilidade de se envolver em comportamentos de risco, sofrer acidentes e/ou lesões traumáticas;
- Social – baixas competências sociais, rejeição pelos pares, atividades antissociais, maior tendência para gravidezes indesejadas na adolescência;
- Psicológico – dificuldade na expressão emocional e de ideias, elevado grau de imaturidade, dificuldade no controlo da raiva e da agressividade, baixa tolerância à frustração, irritabilidade, baixa autoestima e dificuldades na análise e resolução de problemas;
- Familiar – maior prevalência de sintomas depressivos nos pais, principalmente na figura materna, elevados níveis de stress nos elementos da família.
A sua etiologia é neurobiológica e, considerando a diferente intensidade dos sintomas, a PHDA pode ser classificada em leve, moderada e grave e mantendo a sua forma de apresentação (combinada, predominantemente de desatenção e predominantemente de hiperatividade-impulsividade). Apesar da sua etiologia ainda não ser completamente conhecida, existe um consenso de que se trata de uma patologia multifatorial, possivelmente resultante de uma interação complexa entre fatores genéticos/hereditários, neurobiológicos e ambientais/psicossociais (American Psychiatric Association, 2014; Barkley, 2006; Mash & Barkley, 2014; Rief, 2016; Singh, Yeh, Verma, & Das, 2015). Este facto é suportado por estudos neuropsicológicos, neuroquímicos e de neuroimagiologia que reportam alterações estruturais e funcionais no córtex frontal, temporal e parietal, áreas do corpo estriado, dos gânglios basais e do cerebelo, verificando-se, ainda, uma desregulação no sistema de neurotransmissores, nomeadamente uma menor concentração de dopamina, noradrenalina e serotonina (Castellanos et al., 1996 cit in Barkley, 2006; Falardeau, 1997; Singh et al., 2015; Zametkin et al., 1990.
Adicionalmente, constatam-se compromissos atencionais (tarefas de atenção sustentada, dividida e seletiva), no funcionamento executivo (planear e organizar tarefas, resolução de problemas, autocontrolo, flexibilidade mental, controlo inibitório e memória de trabalho) (Diamond, 2012), entre o processamento da informação recebida e a resposta produzida (Cordinhã & Boavida, 2008), da velocidade de processamento e da regulação das emoções e da motivação (Barkley, 2006; Stralen, 2016). Assim, crianças com PHDA podem, ainda, exibir défices nas seguintes funções neurocognitivas:
- Memória visuoespacial (Barkley, 2006);
- Memória de trabalho verbal e/ou visuoespacial (Alloway, 2011; Mash & Barkley, 2014);
- Recuperação da informação visuoespacial e verbal, devido a dificuldades na codificação da informação (Andersen, Egeland, & Øie, 2012);
- Motricidade, nomeadamente, motricidade fina e ampla, velocidade da destreza manual e da coordenação visuomotora (Flapper, Houwen, & Shoemaker, 2006; Neto, Goulardins, Rigoli, Piek, & Oliveira, 2015);
- Linguagem, isto é, atraso na aquisição da linguagem, défice na compreensão de instruções, dificuldades de leitura, escrita e pragmática (Andreou & Trott, 2013; Barkley, 2006; Geurts & Embrechts, 2008).
Sinais de Alerta:
A. Desatenção:
- Frequentemente, falha em prestar atenção suficiente aos pormenores ou comete erros por descuido;
- Frequentemente, tem dificuldade em se manter concentrado/atento no desempenho das tarefas e atividades;
- Frequentemente, parece não ouvir quando se lhe fala diretamente;
- Frequentemente, não segue as indicações e não termina os trabalhos e tarefas;
- Frequentemente, tem dificuldades em organizar as tarefas e atividades;
- Frequentemente, evita, não gosta ou é relutante em realizar trabalhos ou atividades que exijam um esforço mental mantido;
- Frequentemente, perde objetos necessários para as tarefas ou atividades;
- Frequentemente, distrai-se facilmente com estímulos alheios;
- Frequentemente, esquece-se das atividades quotidianas.
B. Hiperatividade-impulsividade:
- Frequentemente, agita ou bate as mãos e pés ou remexe-se quando está sentado;
- Frequentemente, levanta-se em situações em que deve permanecer sentado;
- Frequentemente, corre ou salta em situações em que é inadequado fazê-lo;
- Frequentemente, revela dificuldades em realizar um jogo ou atividade de lazer tranquilamente;
- Está frequentemente em movimento, como se “estivesse ligado a um motor”;
- Frequentemente, fala excessivamente;
- Frequentemente, precipita as respostas antes que a pergunta tenha sido concluída;
- Frequentemente, tem dificuldades em esperar pela sua vez;
- Frequentemente, interrompe ou interfere nas atividades dos outros.
Comorbilidades:
A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) consiste numa perturbação poligénica complexa, que envolve vários genes ou grupos de genes, que parecem contribuir para uma maior suscetibilidade para a patologia (Barkley, 2006; Faraone et al., 2005; Mash & Barkley, 2014). Desta forma, existe uma elevada comorbilidade com outras Perturbações Psiquiátricas ou Neurológicas (nomeadamente, Perturbação Desafiante de Oposição, Perturbação de Aprendizagem Específica, Perturbação do Comportamento, Perturbação de Ansiedade, Perturbações de Tiques, Perturbações do Humor, Perturbação Obsessiva-Compulsiva e Perturbação do Espetro do Autismo), o que complexifica o diagnóstico, a evolução e o prognóstico assim como as estratégias terapêuticas utilizadas (American Psychiatric Association, 2014; Barkley, 2006; Biederman, Newcorn, & Sprich, 1991; Germanò, Gagliano, & Curatolo, 2010; Jensen & Steinhausen, 2015).
Dadas as alterações cognitivas, emocionais e comportamentais possíveis de existir, recomenda-se a realização de uma avaliação:
- Neuropsicologia – para caracterização do perfil de funcionamento cognitivo, alterações instrumentais e competências académicas;
- Terapia da Fala – caso existam alterações na leitura, escrita e oralidade ou dificuldades na aquisição destas competências;
- Terapia Ocupacional/Psicomotricidade – para caracterização do perfil psicomotor e compreensão de possíveis alterações de equilíbrio, coordenação, controlo motor, propriocepção, motricidade (fina e global) e avaliação da escrita;
- Psicologia Clínica – para compreensão das alterações emocionais e comportamentais (por exemplo, baixa autoestima, Perturbação do Comportamento Desafiante-Oponente, agressividade, entre outras);
- Eletroencefalograma com Mapeamento Cerebral – para análise da conectividade e atividade elétrica entre as diferentes áreas cerebrais, sendo que existe um padrão típico de desregulação da atividade e da conectividade em crianças e adultos com PHDA.
Com base nos resultados das avaliações complementares realizadas, poderemos elaborar um plano de intervenção adaptado e individualizado às necessidades de cada criança. Esta intervenção poderá incluir sessões de treino cognitivo, sessões de terapia da fala, sessões de terapia ocupacional, sessões de acompanhamento psicoterapêutico com recurso a play-therapy e sessões de Neurofeedback.
Na NeuroVida, dispomos de uma equipa multidisciplinar e das mais recentes tecnologias para treino cognitivo e Neurofeedback, sendo que, na nossa experiência, crianças e jovens com PHDA beneficiam de uma intervenção global com resultados positivos na aquisição de estratégias compensatórias para melhoria das alterações cognitivas, comportamentais e emocionais e generalização às competências académicas e vida quotidiana (Programa Neurolearning).
Adicionalmente, a intervenção terapêutica poderá ser auxiliada com recurso a fármacos que visam a melhoria do foco atencional e controlo dos comportamentos de hiperatividade/impulsividade.
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