Discalculia – Perturbação Específica de Aprendizagem de Matemática

É bem sabido que o cérebro calcula quase tudo. Mede, compara, ordena e conceptualiza em termos de quantidades.

O reconhecimento dos números depende da capacidade do córtex para representar quantidades, e o seu substrato neural suporta tanto as capacidades inatas (predefinidas durante a diferenciação cerebral durante o período fetal) como as adquiridas (aprendidas).

Quando há uma alteração no neurodesenvolvimento (competências “inatas”), e as ligações que suportam o processamento numérico não são bem “esculpidas”, são geradas alterações na capacidade de aprender a operar com números, que vão desde o baixo desempenho em matemática até ao distúrbio de aprendizagem da matemática, conhecido como discalculia do desenvolvimento, cujos défices já são observados na idade pré-escolar.

As competências adquiridas (competências de cognição numérica) estão também relacionadas com o desenvolvimento de outras capacidades cognitivas (tais como linguagem e funções espaciais) e os seus respetivos substratos neurais, bem como são influenciadas pela educação.

Embora o insucesso em matemática e as dificuldades de aprendizagem da matemática devido à deficiência de outras capacidades cognitivas possam resolver espontaneamente ou com atividades de ensino especiais, a discalculia do desenvolvimento requer normalmente um processo de intervenção especializado envolvendo neuropsicólogos, pedagogos e, no caso de doenças neurológicas (Williams, síndrome maturacional de Gerstmann, entre outras), a colaboração de neurologistas e outros clínicos.

A discalculia é, em princípio, um fracasso na representação de quantidades, o que prejudica o desempenho de operações matemáticas básicas e o desempenho escolar durante a infância, em quatro áreas fundamentais: sentido numérico, compreensão numérica, produção numérica e cálculo.

De acordo com vários consensos, a dislexia do desenvolvimento é definida como “uma desordem heterogénea que resulta em diferenças individuais tanto no desenvolvimento como no funcionamento da cognição numérica, com base em provas a nível neuroanatómico, neuropsicológico e comportamental e nas suas interações”.

A atual classificação da discalculia como primária ou secundária baseia-se no facto de a causa residir no fraco desenvolvimento de áreas corticais de competência numérica ou noutras disfunções ou lesões que interferem com o seu funcionamento normal .Assim, a discalculia primária compreende défices numéricos específicos graves, sem outras perturbações, e é observada em 1 a 2% das crianças em idade escolar, enquanto a discalculia secundária é mais frequente e é observada em 4%, sempre com défices cognitivos “não numéricos” (défices atencionais com ou sem hiperactividade, dislexia, défices visuoperceptivos, défices de memória digital ou, mais frequentemente, disfunção executiva).

A discalculia manifesta-se como uma dificuldade persistente em compreender mesmo os conceitos numéricos e aritméticos mais básicos, desde que a inteligência normal e as oportunidades de escolaridade estejam garantidas. E os diferentes aspetos da competência matemática podem ser afetados tanto pelo recrutamento subaproveitado das funções cognitivas gerais que suportam a cognição matemática (tais como atenção, memória e controlo cognitivo) como por défices específicos no domínio dos conceitos e operações numéricas.

A base neural da cognição numérica tem sido amplamente estudada nos últimos anos, e sabemos que existem redes cerebrais específicas que sustentam a aprendizagem matemática e que estas têm como nó central o córtex parietal posterior e as suas ligações com o córtex pré-frontal, mais pontualmente, a função está concentrada no córtex parietal posterior do hemisfério dominante (esquerda para os destros) quando as competências matemáticas foram refinadas. Ainda assim, na discalculia comórbida com PHDA, dislexia, entre outras perturbações do neurodesenvolvimento, os estudos revelam que ambos os hemisférios cerebrais estão implicados, sendo a discalculia uma consequência de uma desordem cerebral (resultante de, dano, trauma ou imaturidade secundária) .

Embora, em Portugal, não existam provas validadas e aferidas para a avaliação e diagnóstico da Discalculia, a realização de uma avaliação neuropsicológica completa (avaliação do perfil cognitivo, avaliação minuciosa de cada função cognitiva e avaliação das competências académica – leitura, escrita e matemática) bem como a realização de estudos neurofisiológicos serão úteis para a compreensão das dificuldades de aprendizagem reportadas pela criança, pais e professores.

Os estudos neurofisiológicos úteis são:

  • Eletroencefalografia quantitativa, que em disléxicos demostram perturbações na sincronização e a dessincronização na banda teta, parietal esquerda é dessincronização parietoccipital bilateral na banda alfa, além de alterações em outros córtices (temporoparietal), durante a recuperação de factos aritméticos aprendidos.
  • Potenciais relacionados com o evento (ERP), para determinar a dificuldade de recuperação de factos aritméticos, que mostram um padrão típico na dislexia (N400 ausente e LPC reduzida) e ajudam na avaliação de crianças com discalculia, especialmente na separação do défice “puro” do défice associado a outros défices.

Assim sendo, a avaliação técnica permitirá considerar se poderão existir outras alterações cognitivas que podem justificar a dificuldade na aprendizagem da matemática e se o aluno apresenta características sugestivas de discalculia, ou ainda se existem alterações na atividade ou conectividade cerebral nas áreas cerebrais responsáveis pela aprendizagem e competências matemáticas em ambos os hemisférios. Adicionalmente, sugere-se a realização de uma avaliação clínica dos aspetos emocionais e comportamentais, uma vez que, crianças com dificuldades de aprendizagem, vivenciam experiências consecutivas de fracasso escolar, podendo desenvolver sentimentos de tensão que interferem na realização das atividades académicas, levando ao desconforto e evitação.

Com base nos resultados da avaliação multidisciplinar, poderá ser desenvolvido um plano de intervenção terapêutico individualizado às necessidades da criança bem como a sugestão de estratégias pedagógicas e atividades a desenvolver pelos pais e professores. Para além disso, estudos atuais revelam que o uso de intervenções computorizadas na discalculia do desenvolvimento é promissor (Kaser et al., 2013 cit. in Dourado, 2021) e a realização de atividades lúdicas são consideradas como “uma possibilidade de aquisição de conhecimentos, socialização, formação geral, compreensão de regras, desenvolvimento físico, concentração, atenção e afetividade” que podem potencializar o desenvolvimento infantil (Cecato, 2008 cit. in Dourado, 2021).

A Discalculia do Desenvolvimento é uma perturbação com uma multiplicidade de défices e uma avaliação minuciosa dos domínios gerais e específicos permitirá o estabelecimento detalhado das áreas fortes e de vulnerabilidade. Assim, a criança ou jovem poderá aceder a intervenções específicas e personalizadas, adequadas ao seu perfil neuropsicológico, o que as tornará mais eficientes e eficazes. Para além disso, as perturbações de aprendizagem têm impacto na saúde mental (baixa autoestima, perturbações do comportamento) que podem conduzir ao abandono escolar e dificuldades profissionais, pelo que a sua avaliação é fulcral para o sucesso do indivíduo.

Na NeuroVida, dispomos de uma equipa multidisciplinar e de técnicas de neurofisiologia (EEG com mapeamento cerebral, ERP) que possibilitam uma avaliação detalhada bem como o desenvolvimento de planos de intervenção terapêutico adequados ao perfil neuropsicológico e às dificuldades dos nossos utentes. E o programa NeuroLearning poderá ser integrado e executado em contexto escolar, possibilitando uma proximidade com os professores e educadores e consequente desenvolvimento de atividades pedagógicas que visem ajudar os alunos com dificuldades de aprendizagem.

Num futuro imediato, os padrões de “disfunção cortical” da dislexia do desenvolvimento supramencionados poderão ser utilizados para monitorizar os efeitos das intervenções terapêuticas e para modular a atividade cerebral diretamente com correntes fracas aplicadas através do cérebro ou com treino operante da atividade cerebral elétrica por técnicas de Neurofeedback. A Neurovida está, atualmente, a pesquisar estas alternativas, e a avaliar outras opções (realidade virtual) com o objetivo de potenciar a recuperação complementando com treinos cognitivos e estratégias pedagógicas para já contempladas nos seus programas.

Referências Bibliográficas:


Dourado, L.P. (2021). Discalculia: E a sua relação com o cérebro. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação (v.7.n.6.). São Paulo.pp. 910-926.doi:10.51891/rease.v7i6.1443


Passos, A.Q., Cazella. A.V., Araman, E.M.O, Del Grossi, E.S. (2011). Dificuldade de Aprendizagem em Matemática: Discalculia. UNOPAR Cient., Ciênc. Humani. Educac., Londrina (v12.n1). pp-61-71

Sobre o Autor

A NeuroVida é uma instituição médica de neurologia e neurociências, pioneira em Portugal, que presta atenção integrada e interdisciplinar de cuidados a doentes do foro neurológico e neuropsiquiátrico. 

A clínica conta com uma equipa de especialistas em diversas áreas interdisciplinares liderada pelo Dr. Lázaro Álvarez, neurologista e neurocientista com mais de 30 anos de experiência.

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