Autismo – Uma hipótese que poderia finalmente revelar a origem nos próximos anos

Estima-se que as perturbações do espectro do autismo (PEA) afetam cerca de 1% das crianças, verificando-se um aumento de diagnósticos nos últimos anos. Em Portugal, embora não haja estudos recentes, a prevalência estimada de crianças com PEA é de cerca de uma para cada cem mil crianças em idade escolar (Oliveira, 2005).

criança com autismo

A PEA caracteriza-se por dificuldades na interação social e pela presença de comportamentos, interesses ou atividades estereotipados ou repetitivos, sendo a alteração mais comum a redução da interação com o ambiente social externo e o aumento do enfoque nas experiências internas.

Como surge o autismo?

As causas da PEA permanecem desconhecidas, contudo, várias pesquisas apontam para múltiplas influências genéticas e epigenéticas que alteram as ligações entre os neurónios, induzindo a conexões menos eficientes.

Acredita-se que no início do período embrionário e fetal, o cérebro apresenta um excesso de ligações entre os neurónios (as chamadas sinapses), muitas das quais são ineficientes, e que durante esta fase são eliminadas até que permaneçam apenas as mais eficientes. De acordo com estudos recentes, em pessoas com PEA esta “eliminação” não é concluída, resultando na permanência de “sinapses” redundantes.

Por sua vez, estas sinapses redundantes produzem ligações entre regiões cerebrais menos funcionais, as quais foram estudadas e sabemos agora que esta anomalia conduz a dois resultados comuns: uma maior ativação das principais redes que suportam o processamento cognitivo e emocional, e um défice na rede neural da atenção e executiva, resultando numa excessiva introspeção e escassez de interação com o ambiente.

Todas estas evidências científicas foram reunidas numa hipótese que explica a PEA, sendo esta conhecida como Triple Network Hypothesis [1].

Triple Network Hypothesis

Esta hipótese argumenta que existem três redes principais responsáveis por funções preceptivas, cognitivas, emocionais e comportamentais, que geram duas propriedades emergentes: a introspeção e a autoconsciencialização.

Estas redes são:

  • A Salience Network (SN), que liga o córtex frontal medial com o sistema límbico, para atribuir “valor” à informação interna;
  • A Rede Executiva Central (CEN- central executive network) que liga o córtex frontal lateral com o córtex parietal, assegurando a atenção, memória de trabalho e outras funções “executivas”;
  • A rede de modo por defeito (DMN-default mode network) que liga as áreas do cérebro frontal e medial com o córtex cingulado posterior e o córtex parietal lateral, assegurando funções cognitivas relacionadas com a memória explícita e a perceção visual.

Nesta hipótese demonstra-se que estas três redes neurais trabalham de forma independente umas das outras (de uma forma “segregada”, mas “harmoniosa”) e que se revezam ou se combinam para privilegiar a introspeção e a atenção/compreensão do ambiente.

No entanto, estas redes não funcionam em uníssono, mas de uma forma sequencial, por exemplo, atender a chamada da CEN quando é detetado um estímulo, verificar se conhecemos a voz na DMN e depois identificar a importância através da rede de relevância.

Até à data, vários estudos têm avançado com esta hipótese, explicando os principais sintomas do autismo. Resumimos alguns destes estudos e recomendamos a sua leitura:
  1.  O estudo “Biol Psychiatry2018:84:287-294” de Hogeveen J., no qual examinaram as interações destas redes e as correlacionaram com sintomas internos, encontrando uma menor conectividade dentro da rede, confirmando a hiperatividade na rede DMN. Além disso, o estudo foi alargado para avaliar como as redes evoluem com a idade, tendo como principal resultado que os indivíduos com autismo mostraram maiores alterações nas redes corticais, e uma reorganização mais fraca com o avançar da idade;
  2.  O estudo “Wang K, et Front”. Psiquiatria 12:736 – 755″ que investigou a dinâmica da conectividade em rede associada às experiências internas, atenção externa e interação entre estados internos e externos, em crianças com e sem Défice de Atenção e Hiperatividade. A principal conclusão foi que a rede de relevância ativa em excesso a DMN, identificando que as crianças com autismo e PHDA têm uma atividade menor atividade do Precuneus (parte da DMN) comparativamente com as crianças sem PHDA;
  3.  Finalmente, o estudo “Structural covariance model reveals dynamic reconfiguration of triple networks in autism spectrum disorder: Long et al. Applinte Inform 2016 3:7” procurou estudar os mecanismos cerebrais associados às manifestações do autismo. Avaliou o funcionamento destas três redes e identificou uma hiperatividade do “córtex fronto-insular direito” (um “nó” da rede de relevância), que regula as outras redes, levando a um comportamento de introspeção exagerado.

A visão NeuroVida:

Todos os estudos recentes concordam ao sugerir que as alterações nestas redes são suficientes para explicar porque é que as pessoas com autismo parecem “desligadas” do ambiente, uma vez que induzem uma cognição mais centrada internamente e menos atenção ao ambiente.

Na NeuroVida estamos realmente entusiasmados com os avanços que estão a ocorrer na neurofisiologia e que em breve farão parte dos próximos estudos do autismo. Embora esta patologia não tenha cura, as técnicas avançadas de eletroencefalografia poderão complementar os estudos de imagem realizados nos estudos anteriores (geralmente Ressonância Magnética Funcional – fMRI), o que permitiria realizar diagnósticos mais precisos e, por sua vez, um plano de tratamento mais personalizado.

Atualmente estão a decorrer vários estudos de grande relevância para o autismo que podem confirmar esta “hipótese das três redes”, abrindo assim um caminho de alternativas terapêuticas para o autismo.

neurolearningEm breve esperamos poder contar-lhe mais sobre os avanços da neurociência no autismo e recomendamos a leitura da abordagem da NeuroVida para o tratamento de pessoas com autismo (Programa NeuroLearning).

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Referências:

[1] – Menon V. Large-scale brain networks and psychopathology: A unifying triple network model. Trends Cogn Sci 15:483–506 et al. 2011

Oliveira, G. (2005). Epidemiologia do autismo em Portugal: Um estudo de prevalência da perturbação do espectro do autismo e de caracterização de uma amostra populacional de idade escolar. Coimbra: Universidade de Coimbra.

Sobre o Autor

A NeuroVida é uma instituição médica de neurologia e neurociências, pioneira em Portugal, que presta atenção integrada e interdisciplinar de cuidados a doentes do foro neurológico e neuropsiquiátrico. 

A clínica conta com uma equipa de especialistas em diversas áreas interdisciplinares liderada pelo Dr. Lázaro Álvarez, neurologista e neurocientista com mais de 30 anos de experiência.

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