Durante o século XXI, constatámos um enorme avanço tecnológico, quer na criação e desenvolvimento das novas tecnologias quer na sua abrangente acessibilidade. Atualmente, quase todas as famílias dispõem de serviços de Internet e, na sua maioria, possuem equipamentos eletrónicos (por exemplo, computadores e/ou telemóveis) que permitem a realização de videoconferências/videochamadas, o que possibilitou o desenvolvimento de técnicas que possibilitam a realização de consultas médicas, e de saúde mental, à distância – as teleconsultas.
Apesar das teleconsultas serem um recurso e uma tendência crescente nas várias especialidades médicas, nomeadamente, na realização de consultas de rotina/seguimento, também têm sido usadas na realização de consultas de avaliação psicológica e de psicoterapia. Porém, a transição da interação face-a-face com os pacientes para a realização de consultas à distância, no caso da neuropsicologia, implicou algumas dificuldades e constrangimentos, uma vez que, geralmente, a avaliação neuropsicológica inclui uma entrevista clínica, a aplicação de baterias e provas neuropsicológicas validadas para essa população (que não podem ser legalmente reproduzidas e difundidas informaticamente) e a sua interpretação qualitativa e quantitativa. Estes resultados são descritos num relatório que também inclui as dimensões comportamentais constatadas ao longo de todo o processo avaliativo, e no qual são sugeridas possíveis técnicas de intervenção. O facto de os diferentes materiais de avaliação neuropsicológica não poderem ser legalmente reproduzidos, limita a sua utilização durante as teleconsultas e, por sua vez, a realização de consultas à distância, não permitindo igualmente a constante observação do comportamento do paciente durante as várias fases do processo avaliativo, condicionando a interpretação dos dados e a elaboração do plano terapêutico.
No entanto, devido ao atual contexto de pandemia, e devido às várias restrições de distanciamento social, o recurso às tecnologias e plataformas de comunicação (Skype, ZOOM, entre outras) foi fulcral e tornou-se uma constante do dia-a-dia. Neste momento, existem vários serviços que estão a recorrer a estas plataformas digitais com a finalidade de promover a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, emocional e económico respeitando as novas medidas sanitárias essenciais para a redução do risco de propagação da Covid-19. Durante o encerramento das instalações escolares, as crianças e jovens continuaram e continuam a adquirir os seus conhecimentos e competências académicas através de aulas virtuais – a telescola – e os vários profissionais de saúde têm recorrido a estas tecnologias, de forma a manter o acompanhamento dos seus utentes sem os exporem, desnecessariamente, a um superior risco de contágio pelo novo coronavírus.
Independentemente da atual situação pandémica, as preocupações com o estado cognitivo e psicológico das nossas crianças e familiares manteve-se e a realização de uma avaliação neuropsicológica em pacientes com alterações neurológicas permanece necessária, com o objetivo de ultimar o diagnóstico diferencial e de dar feedback aos familiares e cuidadores sobre possíveis estratégias de intervenção e possibilidades de tratamento. Assim, os neuropsicólogos tiveram de se adaptar às restrições sanitárias e continuar a promover o exercício da sua atividade profissional de forma segura, parcimoniosa e cumprindo as orientações do código deontológico. A adaptação das ferramentas e materiais à população pediátrica revelou-se exequível e fiável. Contudo, devido às variáveis comportamentais que são necessárias de considerar durante a avaliação, recomenda-se que o recurso às plataformas digitais seja reduzido durante o processo avaliativo e que, apenas seja considerado em crianças e jovens sem alterações sensoriais e com adequado domínio de um computador. Deste modo, e sempre que possível, recomenda-se que a avaliação neuropsicológica seja realizada presencial.
Por outro lado, a intervenção neuropsicológica num contexto de estimulação das funções cognitivas, poderá ser efetuada através de teleconsultas, durante as quais, as crianças e jovens desenvolverão tarefas computorizadas ou de papel e lápis sobre a supervisão e acompanhamento de um técnico especializado na estimulação e reabilitação cognitiva. Este acompanhamento é essencial de forma a promover a aquisição de novas estratégias cognitivas e auxiliar a resolução das tarefas propostas. Em alguns casos, como por exemplo, crianças e jovens com Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção a presença do técnico é essencial na promoção e manutenção do foco atencional, já que este poderá advertir e intervir em situações de desatenção, pelo que os módulos computorizados relativos ao treino de atenção e concentração não devem ser realizados sem um técnico presente.
Apesar da intervenção neuropsicológica, com recurso às tecnologias de comunicação e plataformas digitais, poder ser realizada com algumas crianças e jovens, são necessários alguns cuidados no recurso a estes equipamentos, nomeadamente: o técnico deverá certificar-se que a criança ou jovem tem acesso a um computador e a um espaço físico onde poderá trabalhar, sem barulho e com adequada iluminação; a ligação de Internet deverá ser segura e com um sinal de adequada intensidade, de forma a evitar falhas de rede e cortes/dificuldades na conexão; um adulto deverá estar por perto, durante a realização das sessões, com a finalidade de poder auxiliar caso o computador ou a conexão à internet falhe ou tenha problemas técnicos, ou se a criança ou jovem demonstrar dificuldades na manipulação dos equipamentos informáticos, dos materiais em papel e lápis ou se sofrer de alguma condição clínica que necessite de supervisão (por exemplo, epilepsia). Adicionalmente, durante a sessão, quer a criança/jovem quer o técnico/neuropsicólogo deverão conseguir comunicar entre si e acompanhar as instruções fornecidas para a realização da tarefa, por exemplo, durante a realização das tarefas com recurso a um software computorizado, recomenda-se a utilização da partilha de ecrã e na execução das tarefas de papel e lápis, sugere-se que o técnico consiga visualizar e acompanhar o desempenho. Finalmente, as dificuldades cognitivas e/ou de aprendizagem verificadas na avaliação neuropsicológica devem ser consideradas, previamente, e o neuropsicólogo deverá definir sugestões de intervenção.
Deste modo, e apesar das medidas sanitárias decorrentes do atual contexto de pandemia, o parecer profissional deverá prevalecer. O objetivo da intervenção neuropsicológica com crianças e jovens consiste em fomentar o desenvolvimento das funções cognitivas, promovendo uma adequada aquisição das competências académicas e incentivando o desenvolvimento social e emocional, pelo que esta intervenção e acompanhamento poderão implicar uma interação presencial, que poderá ser realizada respeitando as medidas sanitárias.
Em conclusão, sempre que o neuropsicólogo considere adequado e pertinente a intervenção à distância, esta poderá ser realizada com os benefícios próprios do treino cognitivo e com a vantagem acrescida de permitir às crianças e jovens manter o seu acompanhamento, sem prejuízo dos ganhos já obtidos, e promovendo a consolidação das competências adquiridas. Face ao momento em que nos encontramos , a teleterapia surgiu como uma ferramenta fundamental no acompanhamento de crianças e jovens com dificuldades de aprendizagem, minimizando o impacto que a pandemia tem na sua aprendizagem e desenvolvimento cognitivo.